Um dia mágico e muito distante, lá de minha proveitosa e saudosa infância, correndo com a bola em direção a área adversária, perseguido por diversos garotos, maiores e menores, todos misturados. Garotos que eram reunidos casa a casa, ou chegavam pisando leve no terreno baldio por nós esculpido e transformado em Arena, meninos que metodicamente seriam separados, formando duas equipes pelo ritual indiscutível e irretocável do você para esse lado e você para o lado de lá. Que seguia após um par ou ímpar, preferencialmente de costas, de dois precoces capitães. O jogo começa e imagino-me recriando jogadas de Pelé. Vejo-me em algum grande estádio, com câmeras e milhares de olhos fixos em mim e aquele silencio absurdo que precede uma explosão, uma interjeição coletiva: Ohhhhh! Que significa o quase. Ou os gritos libertários, emitidos somente no absoluto, único e indescritível momento de um gol. Corria, certo do objetivo a alcançar, conduzindo a bola com habilidade, velocidade e confiança. Entre touceiras, buracos, morrinhos e pedregulhos. Subindo ou descendo, dependendo do lado do campinho que meu time estava. Sempre sonhando e idealizando um tapete verde, macio, plano e uniforme, como aqueles que meus ídolos supostamente jogavam. Mal sabia eu que os campos profissionais no Brasil, demorariam ainda muitas décadas para assemelharem-se com aquele palco por mim sonhado ou principalmente descrito na regra. Que por sinal, naqueles dias desconhecia. Como eu, milhares de garotos viveram, com maior ou menor intensidade, momentos parecidos com o narrado acima e para nossa plena felicidade, momentos não filmados, pois só assim a ilusão permanece absoluta e até hoje acalenta. Nunca separei o nome Pelé da bola, do gol, ou do ideal de atleta que por vezes sonhei ser. Se minhas habilidades ou aptidão física não alcançaram zero virgula um por cento das que Deus entregou ao Edson Arantes, isso pouco importou. Verdadeira e única era a altura da régua que ele mostrou, um humano poderia atingir no futebol ou qualquer segmento da vida. Graças a meu Pai e meu irmão, que de formas diferentes influenciaram-me e ensinaram-me o caminho das pedras no futebol, além de, com espírito elevado e senso absoluto de educação e liberdade, respeitaram minhas escolhas. Tive e ainda tenho diversos ídolos no esporte, principalmente no “velho e rude esporte bretão”, como dizia Nego Pessoa (Carlos Alberto Pessoa – Jornalista – Paranaense de Irati). Alguns desses ídolos vi ao vivo em campo fazendo o jogo ficar simples, elegante e lindo. Entres esses destaco Zico, Sócrates, Éder Aleixo, Bebeto, Zenon, Dario Pereira e Joãozinho. Outros tive a glória de jogar ao lado, ouvir as histórias, receber conselhos e a oportunidade de entender um pouco a cabeça de boleiro. Destaco Isabelino, que não vi jogar profissionalmente, mas bebi na fonte, jogando ao seu lado deste muito jovem até meus 26, 27 anos. Ponta inteligente e artilheiro, Campeão Mundial pelo Uruguai com apenas dezesseis anos, reserva de Ghighia no Maracanazo. Aladim, gênio no nome, gênio na bola, um ser iluminado com as palavras e generoso dentro de campo. Russinho, Adalberto Tadeu Vorobi, um craque atropelado pelos acontecimentos da vida. Encheu meus olhos quando jogamos juntos e sequer sabia quem ele era, mas em campo representava tudo que admirava num jogador. Depois de saber sua história e termos mais alguns jogos juntos, guardei-o com muito carinho e respeito na caixa de ídolos de minha memória. Nessa seleta turma, dos que dividi vestiário e joguei um pouco ao lado, fazendo-os sofrer de saudades de seus dias de profissionais cito mais dois pela grandeza de suas generosidade e talento. Tadeu e Ademir Alcantara. Tem mais e outro dia conto, mas tudo isso aconteceu porque um homem inventou de forma divina a Camisa 10 e apertou botões na minha cabeça, abrindo um universo a minha frente, um mundo redondo, lindo e sem fronteiras. Deus o receba e os anjos preparem a festa. Obrigado Pelé.
Júlio Castro
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